A Carta
do chefe Seattle, um manifesto de compreensão e de amor à natureza, aos
animais, aos seres humanos e ao ambiente planetário.
Extraído de The Irish Press, publicado
numa sexta-feira, 4 de junho de 1976.
O discurso foi proferido em onze de março de 1854 pelo chefe das
tribos indígenas pele vermelha Suquamish e Duwamish em uma grande reunião ao ar
livre, em Seattle, estado de Washington.
A reunião havia sido
convocada pelo governador Isaac Ingalls Stevens para discutir a
entrega ou venda da terra natal dos índios para os colonos brancos. Doc
Maynard apresentou o governador Stevens, que explicou brevemente a sua
missão que o governo dos Estados Unidos tentava convencer os peles
vermelhas a venderem suas terras para dar prosseguimento à ocupação do
território norte-americano com populações de imigrantes estrangeiros que
chegavam ao país.
A proposta do governo
dos EUA era instalar as duas tribos em uma reserva indígena, oferecendo-lhes
algumas garantias e compensações. Em seguida a essas apresentações,
levantou-se o Cacique Seattle e começou a falar. Ele pousou a
mão sobre a cabeça do muito menor Stevens, e declamou com grande dignidade, por
um período prolongado, o seu discurso.
Com a sabedoria de um
grande líder, o Cacique Seattle recomendou às suas tribos que fossem para a
reserva, pois sabia que não poderia resistir às armas de fogo, caso optasse
pelo confronto direto. No entanto, deixou, com seu profético discurso, uma
lição para as futuras gerações de todos os povos do mundo, uma lição que,
aparentemente, muito poucos aprenderam.
Em 1854, “O Grande Chefe
Branco” (o presidente americano) em Washington fez uma oferta para “comprar”
uma grande área de território indígena e prometeu uma “reserva” para os índios
peles vermelhas dos EUA. A resposta do Chefe Seattle, aqui
reproduzida na íntegra, tem sido considerada uma das declarações mais belas e
profundas já feitas sobre o meio-ambiente:
“Como você pode comprar
ou vender o céu, o calor da terra? A ideia é estranha para nós. Se nós não
somos donos da frescura do ar e do brilho da água, como você pode comprá-los?
Cada parte da Terra é sagrada para mim e o meu povo.
Cada pinha brilhante,
cada praia de areia, cada névoa nas florestas escuras, cada inseto
transparente, zumbindo, é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A
energia que flui através das árvores traz consigo a memória e a experiência do
meu povo. A energia que flui pelas árvores traz consigo as memórias do homem vermelho.
Os mortos do homem
branco se esquecem da sua pátria quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos
mortos nunca se esquecem desta bela Terra, pois ela é a mãe do homem vermelho.
Somos parte da Terra e ela é parte de nós.
As flores perfumadas são
nossas irmãs, os cervos, o cavalo, a grande águia, estes são nossos irmãos. Os
picos rochosos, as seivas nas campinas, o calor do corpo do pônei, e o homem,
todos pertencem à mesma família.
Assim, quando o Grande
Chefe em Washington manda dizer que quer comprar nossa terra, ele pede muito de
nós. O Grande Chefe manda dizer que reservará para nós um lugar onde poderemos
viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Então
vamos considerar sua oferta de comprar a terra. Mas não vai ser fácil. Pois
esta terra é sagrada para nós.
A água brilhante que se
move nos riachos e rios não é simplesmente água, mas o sangue de nossos
ancestrais. Se vendermos a terra para vocês, vocês devem se lembrar de que ela
é o sangue sagrado de nossos ancestrais. Se nós vendermos a terra para vocês,
vocês devem se lembrar de que ela é sagrada, e vocês devem ensinar a seus
filhos que ela é sagrada e que cada reflexo do além na água clara dos lagos
fala de coisas da vida de meu povo. O murmúrio da água é a voz do pai de meu
pai.
Os rios são nossos
irmãos e saciam nossa sede. Os rios levam nossas canoas e seus peixes alimentam
nossas crianças.
Se vendermos nossa terra
para vocês, vocês devem lembrar-se de ensinar a seus filhos que os rios são
irmãos nossos, e de vocês, e consequentemente vocês devem ter para com os rios
o mesmo carinho que têm para com seus irmãos.
Nós sabemos que o homem
branco não entende nossas maneiras.
Para ele um pedaço de
terra é igual ao outro, pois ele é um estranho que chega à noite e tira da
terra tudo o que precisa. A Terra não é seu irmão, mas seu inimigo e quando ele
a vence, segue em frente. Ele deixa para trás os túmulos de seus pais, e não se
importa. Ele seqüestra a Terra de seus filhos, e não se importa.
O túmulo de seu pai, e o
direito de primogenitura de seus filhos são esquecidos. Ele ameaça sua
mãe, a Terra, e seu irmão, do mesmo modo, como coisas que comprou, roubou,
vendeu, como carneiros ou contas brilhantes. Seu apetite devorará a Terra
e deixará atrás de si apenas um deserto. Não sei!
Nossas maneiras são
diferentes das suas. A visão de suas cidades aflige os olhos do homem
vermelho. Mas talvez seja porque o homem vermelho é selvagem e não
entende.
Não existe lugar
tranqüilo nas cidades do homem branco. Não há onde se possa escutar o abrir das
folhas na primavera, ou o ruído das asas de um inseto.
Aurora boreal em terras
indígenas do norte da América
Mas talvez seja porque
eu sou um selvagem e não entendo. A confusão parece servir apenas para insultar
os ouvidos. E o que é a vida se um homem não puder ouvir o choro solitário de
um curiango ou as conversas dos sapos, à noite, em volta de uma lagoa.
Sou um homem vermelho e
não entendo. O índio prefere o som macio do vento lançando-se sobre a
face do lago, e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva de
meio-dia, ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é precioso para o
homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo hálito – a fera, a
árvore, o homem, todos compartilham o mesmo hálito.
O homem branco parece
não perceber o ar que respira. Como um moribundo há dias esperando a morte, ele
é insensível (ao seu próprio) mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra,
vocês devem se lembrar de que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha
seus espíritos com toda a vida que ele sustenta.
Mas se vendermos nossa
terra, vocês devem mantê-la separada e sagrada, como um lugar onde mesmo o
homem branco pode ir para sentir o vento que é adoçado pelas flores da campina.
Assim, vamos considerar
sua oferta de comprar nossa terra.Se resolvermos aceitar, eu imporei uma
condição – o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem
seus irmãos. Eu Sou um selvagem e não entendo de outra forma.
Vi mil búfalos mortos e
apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os matou da janela
de um trem que passava. Sou um selvagem e não entendo como o cavalo de
ferro que fuma pode se tornar mais importante que o búfalo, que nós só matamos
para ficarmos vivos.
O que é o homem sem os
animais?
Se todos os animais
acabassem, o homem morreria de uma grande solidão do espírito. Pois tudo o que
acontece aos animais, logo acontece ao homem. Todas as coisas estão
ligadas.
Vocês devem ensinar a
seus filhos que o chão sob seus pés é as cinzas de nossos avós. Para que eles
respeitem a terra, digam a seus filhos que a Terra é rica com as vidas de
nossos parentes. Ensinem aos seus filhos o que ensinamos aos nossos, que a
Terra é nossa Grande Mãe.
Tudo o que acontece à
Terra, acontece aos filhos da Terra. Se os homens cospem no chão, eles cospem
em si mesmos.
Isto nós sabemos – a
Terra não pertence ao homem – o homem pertence à Terra. Isto nós sabemos.
Todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Todas as
coisas estão ligadas.
Tudo o que acontece à
Terra – acontece aos filhos da Terra. O homem não teceu a teia da vida – ele é
meramente um fio dela. O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo.
Mesmo o homem branco,
cujo Deus anda e fala com ele como de amigo para amigo, não pode ficar isento
do destino comum. Podemos ser irmãos, afinal de contas. Veremos.
De uma coisa nós sabemos
e que o homem branco pode um dia descobrir – o nosso Deus (das tribos peles
vermelha da América do Norte) é o mesmo Deus.
Vocês podem pensar agora
que vocês O possuem como desejam possuir nossa terra, mas vocês não podem
fazê-lo.
Ele é o Deus do homem, e
Sua compaixão é igual tanto para com o homem vermelho quanto para com o branco
(ou para o negro, o amarelo, não importa a cor da “vestimenta de pele”).
A Terra é preciosa para
Ele, e danificar a Terra é acumular desprezo por seu criador. Os brancos também
passarão, talvez antes de todas as outras tribos.
Mas em seu
desaparecimento vocês brilharão com intensidade, queimados pela força do Deus
que os trouxe a esta terra e para algum propósito especial lhes deu domínio
sobre esta terra e sobre o homem vermelho.
Esse destino é um
mistério para nós, pois não entendemos quando os búfalos são mortos (em
excesso), os cavalos selvagens são domados, os recantos secretos das florestas
carregados pelo cheiro de muitos homens, e a vista das montanhas maduras
manchadas por fios que falam.
Onde está o bosque?
Acabou.
Onde está a águia?
Acabou.
É o fim dos seres
(realmente) vivos e o começo da sobrevivência.”
Extraído
de The Irish Press, publicado numa sexta-feira,
4 de junho de 1976.
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